Quando a liberdade de empreender revela o peso da instabilidade e a
imprevisibilidade se torna a nova regra do jogo.
Introdução: O Sonho de Trabalhar de Qualquer Lugar e a Realidade dos
Resultados
“Ser dono
do próprio negócio” sempre foi um símbolo de autonomia, coragem e sucesso. A
promessa de trabalhar de qualquer lugar do mundo, definir horários e colher
frutos diretamente proporcionais ao esforço investido alimenta o imaginário de
milhares de profissionais que cogitam largar o emprego formal. No entanto, a
realidade do empreendedorismo contemporâneo está longe de ser tão linear.
Em cidades
médias como Uberaba (MG), o número de empreendedores autônomos cresceu
significativamente no pós-pandemia. Segundo dados do Portal do Empreendedor
(Gov.br), somente em 2023 foram abertos mais de 3.200 novos registros de
MEIs no município, acompanhando uma tendência nacional: o Brasil alcançou a
marca de 15,4 milhões de microempreendedores individuais em atividade.
Mas, junto
à liberdade, vem a gangorra da instabilidade. A relação entre oferta e demanda
se altera a cada semana, oscilando de forma imprevisível e testando a
resiliência de quem aposta todas as fichas no próprio negócio.
O Crescimento do Empreendedorismo: Entre Oportunidade e Sobrevivência
O boom do
empreendedorismo no Brasil não é apenas um reflexo de vocação. Para muitos,
tornou-se uma estratégia de sobrevivência diante da escassez de empregos
formais.
Um
levantamento do Sebrae (2024) aponta que 59% dos empreendedores
autônomos iniciaram suas atividades por necessidade, e não por
identificação com a área. Isso explica por que negócios promissores acabam
naufragando em poucos meses.
A
jornalista de economia Patrícia Vieira, que acompanha o setor há mais de
uma década, resume: “Há uma ilusão vendida nos treinamentos genéricos e nas
consultorias motivacionais: a de que basta acreditar para prosperar. Mas a
prática mostra que acreditar é só o ponto de partida — e que planejamento e
capacidade de adaptação pesam muito mais.”
Saúde Física: O Custo Invisível de Ser o Próprio Chefe
A
instabilidade não atinge apenas o caixa da empresa — reflete-se no corpo. O
médico clínico geral Dr. Fábio Rezende alerta para os impactos físicos
do estilo de vida empreendedor:
“O excesso
de horas trabalhadas, a ausência de rotina e o estresse ligado à incerteza de
resultados favorecem quadros de gastrite, insônia e crises de ansiedade. Muitos
empreendedores chegam ao consultório com sintomas que, no fundo, são
consequência da pressão por resultados rápidos.”
Na prática,
a liberdade de trabalhar de qualquer lugar pode significar jornadas noturnas em
frente ao computador, prazos inadiáveis em meio a viagens e a sensação de nunca
“desligar”. O romantismo de “não ter chefe” acaba substituído pela cobrança
constante de si mesmo.
O Peso da Burocracia e a Armadilha Fiscal
Empreender
no Brasil é também lidar com um labirinto tributário. O contador Ricardo
Andrade, especialista em gestão fiscal de pequenas empresas, aponta que o
desconhecimento das obrigações legais é um dos maiores riscos.
“Muitos
acreditam que, ao se registrar como MEI, resolvem todos os problemas. Mas, à
medida que o negócio cresce, surgem obrigações trabalhistas, tributárias e
contábeis que, se ignoradas, geram multas e inviabilizam a operação. É comum
ver empreendedores lucrando no mês, mas fechando no vermelho no ano por falta
de gestão fiscal.”
Além disso,
há o peso do chamado “custo Brasil”: burocracia, impostos elevados e
dificuldade de acesso a crédito com taxas razoáveis. Tudo isso corrói a
previsibilidade de qualquer planejamento.
Consultoria Realista: O Que Ninguém Conta nos Treinamentos
O consultor
de negócios André Coelho, com mais de 15 anos de experiência orientando
empreendedores em Minas Gerais, resume com franqueza:
“Empreender
não é para todos, e não há problema em admitir isso. Quem entra nessa jornada
precisa saber que o investimento de tempo e recursos nem sempre se transforma
em retorno. O que vemos, muitas vezes, é decepção e prejuízo porque o
empreendedor acreditou em uma fórmula mágica vendida em palestras.”
Segundo
ele, a chave é entender que empreender não é fuga, e sim construção. “Não
adianta abrir um negócio porque está insatisfeito no emprego atual. É preciso
estudar mercado, testar hipóteses, planejar cenários pessimistas e aceitar que
a gangorra entre oferta e demanda vai derrubar muita gente pelo caminho.”
Liberdade versus Instabilidade: O Dilema Permanente
A promessa
de flexibilidade é real: empreender pode permitir horários ajustáveis,
possibilidade de atuação remota e até conciliação com projetos pessoais. Mas o
preço é alto.
Sem a
segurança de um salário fixo, o empreendedor precisa conviver com meses de
fartura seguidos por períodos de escassez. O desequilíbrio emocional surge
quando a expectativa de retorno rápido não se concretiza. E a dificuldade em
criar rotinas sólidas acentua a sensação de instabilidade.
“O maior
desgaste é perceber que o esforço não se traduz em resultado imediato”, diz
André Coelho. “Essa defasagem entre trabalho e retorno é um dos fatores que
mais levam à desistência precoce.”
Conclusão: O Valor do Realismo
Empreender
continua sendo uma das vias mais poderosas de transformação profissional e
pessoal. Porém, exige clareza sobre seus limites e riscos. A balança entre
oferta e demanda, cada vez mais instável, exige que o empreendedor esteja
preparado não apenas para o sucesso, mas também para os fracassos que fazem
parte do caminho.
Ao
contrário do que mostram as propagandas e os treinamentos motivacionais,
empreender não é sinônimo automático de liberdade ou prosperidade. É, antes, um
exercício constante de adaptação, disciplina e resiliência.
No fim, o
verdadeiro aprendizado pode estar menos em “trabalhar de qualquer lugar do
mundo” e mais em entender que o mundo dos negócios não é previsível — e que
o empreendedorismo só se sustenta quando a coragem anda de mãos dadas com o
planejamento e a consciência dos riscos.


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